O nobre político
Carlos Alberto Di Franco
O Estado de S.Paulo
A política brasileira está podre. Ela é
movida a dinheiro e poder. "Dinheiro compra poder, e poder é uma
ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata as eleições: o
poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que você
não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para
apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa virar o jogo. No
Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de
dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais." Assustador o
diagnóstico que o juiz Márlon Reis faz da política brasileira. Conhecido por
ter sido um dos mais vibrantes articuladores da coleta de assinaturas para o
projeto popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, foi o primeiro magistrado a
impor aos candidatos a prefeito e a vereador revelar o nome dos financiadores
de suas campanhas antes da data da eleição. Seu livro O Nobre Deputado: Relato
Chocante (e Verdadeiro) de Como Nasce, Cresce e se Perpetua um Corrupto na
Política Brasileira (Editora LeYa, 2014) inspirou o título deste artigo.
A radiografia do juiz, infelizmente,
acaba de ser poderosamente confirmada pelas revelações feitas pelo ex-diretor
da Petrobrás Paulo Roberto Costa. Em resumo, amigo leitor, durante oito anos,
de 2004 a 2012, os contratos da maior empresa brasileira com grandes
empreiteiras eram usados como fonte de propina para partidos e políticos. Dá
para entender as razões da crise da Petrobrás - pilhagem, saque, puro
banditismo -, que atinge em cheio os governos de Dilma Rousseff e Lula.
A lista de políticos que se teriam
beneficiado do esquema de propina incluiria os presidentes da Câmara e do
Senado, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-Al); o secretário
de Finanças do PT, João Vaccari Neto; o ministro de Minas e Energia, Edison
Lobão; a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB-MA); os ex-governadores
do Rio de Janeiro e de Pernambuco Sérgio Cabral (PMDB) e Eduardo Campos (PSB),
morto em agosto. As revelações também apontam como beneficiários das propinas
os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Ciro Nogueira (PP-PI) e os deputados
Cândido Vaccarezza (PT-SP) e João Pizzolatti (PP-SC).
Mas é só o começo. Costa decidiu fazer a
delação premiada para tentar encurtar sua temporada na cadeia, não quer repetir
a experiência de Marcos Valério, condenado a 40 anos de prisão. Quando Valério
quis fazer acordo de delação premiada, o operador do mensalão não tinha mais
nada a oferecer à Justiça porque o esquema já estava desvendado. Agora a
conversa é outra. Com o processo no início, não havendo ninguém denunciado, é o
momento propício para oferecer o que os investigadores precisam: os autores e
as provas do crime. As coisas estão difíceis para os acusados.
O novo escândalo é a ponta do iceberg de
algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será
reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamente, as eleições
são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os
melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar milionárias e
sofisticadas campanhas. Empresas investem nos candidatos sem idealismo, é
negócio, espera-se retorno do investimento. A máquina de fazer dinheiro para
perpetuar o poder tem engrenagens conhecidas no mundo político: emendas
parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.
Recente editorial do Estado, apoiado na
força da informação, revela parte dessa perversa engrenagem eleitoral.
Levantamento do jornal em parceria com a ONG Transparência Brasil escancara um
escândalo: "Apenas três empresas - a Construtora OAS, o frigorífico JBS e
a Construtora Andrade Gutierrez, nesta ordem - respondem por 39% das doações
aos candidatos à Presidência da República, conforme as prestações de contas de
suas respectivas campanhas, encaminhadas à Justiça Eleitoral, como exige a
lei".
A promiscuidade entre candidatos e
empreiteiras está na origem de inúmeros desvios. É, no fundo, um empréstimo das
empresas com resgate certo e lucrativo lá na frente. E quem paga a conta somos
nós.
Indignação? Desencanto? É óbvio. O
macroescândalo da Petrobrás promete. O mensalão vai parecer um berçário. O
Brasil está piorando? Não. Está melhorando. A exposição da chaga é o primeiro
passo para a cura do doente. Ao divulgar as revelações do ex-diretor da
Petrobrás, a imprensa cumpre relevante papel: impede que o escândalo fique na
gaveta de uma CPI do Congresso. Tem gente que não gosta do trabalho da
imprensa. O ministro Gilberto Carvalho, por exemplo, ensaiou uma lição de ética
jornalística ao criticar o vazamento do depoimento de Costa: "Vazamento
sempre é condenável, porque pode ter sido por advogado de réu para proteger
algum réu e prejudicar outro". E quando o vazamento é feito pelo PT, prática
recorrente, tudo bem? A imprensa existe para divulgar informações relevantes. E
alguém duvida da importância das revelações de Costa?
Há razões para otimismo? Creio que sim.
A Lei da Ficha Limpa começa a dar os primeiro frutos. Paulo Maluf (PP-SP) e
José Roberto Arruda (PR-DF), entre outros, podem estar fora das próximas
eleições. A promiscuidade entre políticos e empresas parece estar com os dias
contados. O Supremo Tribunal Federal, provavelmente, votará pelo fim das
doações de empresas na ação movida nesse sentido pela OAB.
A imprensa de qualidade, livre e
independente, está aí. Incomodando. Felizmente. Leia jornais. Informe-se.
Acredite no Brasil, não em salvadores da pátria. E vote bem. O caminho é longo.
Mas vale a pena.
*Carlos Alberto Di Franco é doutor em
Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do departamento de
comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais. E-mail:
difranco@iics.org.br
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